A faxina promovida pela Wada (Agência Mundial antidoping) no atletismo não vai parar na Rússia. Richard Pound, chefe da comissão independente que elaborou o devastador relatório sobre as atividades russas, antecipou que Quênia, Etiópia e Turquia estão no radar da entidade. Os africanos, que praticamente monopolizam as medalhas nas provas de resistência, e a Turquia, que já suspendeu 31 atletas, envolvidos num escândalo durante os Jogos do Mediterrâneo, em junho, em Mersin, na Turquia, já se sobressaltam.
Andrey Baranov, o agente de atletas que enviou um depoimento assinado à IAAF (Associação Internacional das Federações de Atletismo) em abril de 2014, bem antes do documentário elaborado pela emissora alemã ARD que desmontou a farsa russa, propõe um olhar mais cuidadoso em direção a falcatruas que podem estar ocorrendo na África.
"Isso é errado. Deveria haver uma investigação similar em países como Quênia e Etiópia. Seus melhores atletas estão ganhando muito mais do que os russos. Ainda assim, seus níveis de testes são muito limitados".
O presidente do Comitê Olímpico do Quênia, Kipchoge Keino, admitiu que a Wada poderá pedir à IAAF para que suspenda a federação do país de todas as competições de atletismo por quatro anos, o que inclui a Olimpíada do Rio.
"Não é apenas mais uma ameaça. Eles acham que o Quênia está varrendo os casos de doping para baixo do tapete", disse Keino, um dos pioneiros quenianos em pódios olímpicos – ouro nos 1500m na Olimpíada do México-68 e nos 3000 c/obstáculos em 72.
Desde 2012, mais de 30 atletas quenianos foram suspensos ou banidos após apresentarem exames antidoping positivos. Durante o Mundial de Pequim, Koki Manunga, dos 400m, e Joyce Zakary, dos 400m com barreiras, foram suspensos devido a exames realizados durante a competição. Rita Jeptoo, que tem cinco vitórias na soma de eventos prestigiadíssimos como a maratona de Boston e a de Chicago, por uso de eritropoietina, foi suspensa por dois anos.
"A agência antidoping do Quênia, a Federação de Atletismo do Quênia e o governo do país precisam se reunir para resolver o problema, senão estaremos encrencados", conclui "Kip" Keino.
Segundo o Sunday Times, 1/5 das medalhas do Quênia em competições como os Jogos Olímpicos e Mundiais de atletismo no período 2001/12 foram obtidas por atletas que apresentaram resultados "duvidosos" em exames antidoping. O jornal britânico diz que se baseia em dados vazados pela Iaaf.
Nesta terça-feira, a Iaaf confirmou à agência de notícias AP que há uma investigação em curso de seu Comitê de Ética desde março motivada por denúncias de acobertamento de casos positivos de doping no Quênia.
Segundo a ARD, dirigentes do atletismo queniano estavam extorquindo dinheiro de atletas e técnicos para encobrir resultados de exames. O técnico queniano Paul Simbolei declarou à ARD que dirigentes do país estavam pedindo dinheiro ou porcentagem da premiação de atletas para encobrir resultados de exames. David Okeyo, vice-presidente da federação queniana, está sendo investigado, assim como dois outros dirigentes, pelo desfalque de recursos de patrocinadores ao atletismo queniano. Curiosamente, Okeyo é um dos membros do conselho da IAAF que votaram pela suspensão à Federação Russa.
Em entrevista publicada nesta terça-feira pelo jornal britânico "The Guardian", Pound declarou que os quenianos devem se preocupar. "Está bem claro que o Quênia teve sucesso em eventos de longa distância, e também está bem claro que muitas drogas para elevar a performance dos atletas estão sendo usadas no Quênia. Isso deveria ser motivo de preocupação para os atletas. Certamente é motivo de preocupação da Wada, mas deveria ser de qualquer um que participa desses eventos".
O Quênia foi o país que encabeçou o quadro de medalhas do Mundial de Pequim, com sete medalhas de ouro, seis de prata e três de bronze.